O fascínio que a Lua exerce sobre a humanidade atravessa gerações: há séculos, observadores inquietos tentam desvendar seus mistérios. Mesmo assim, alguns enigmas persistem. Um deles: por que o chamado "lado escuro" da Lua, ou o lado afastado, é mais frio do que o lado visível? Nos últimos anos, especialmente após a missão Chang'e-6, uma nova dimensão desse dilema foi revelada. A superfície lunar, tão marcante para culturas de todo o mundo, guarda diferenças profundas, não apenas de aparência, mas de temperatura interna, composição e história.
Neste artigo, o projeto spacetoday.com.br mergulha nessa história, trazendo à tona pesquisas atuais, comentários de especialistas e o impacto crescente das missões espaciais chinesas na compreensão dos segredos lunares. Prepare-se para entender como crateras, minerais raros e até mesmo o impacto de um planeta antigo podem ter esculpido essa notável "dupla face" da nossa vizinha cósmica.
O que é o lado afastado da Lua?
Quando se fala em "lado afastado" ou "lado escuro" da Lua, não se trata de um lado permanentemente sem luz, na verdade, essa expressão é um tanto equivocada. O que ocorre é um fenômeno chamado rotação sincronizada. A Lua gira ao redor de si mesma no mesmo tempo que leva para orbitar a Terra. Assim, vemos sempre o mesmo hemisfério apontado para nós.
O outro hemisfério, o "lado afastado", ficou oculto para a humanidade até a era das sondas espaciais. Surgiu, então, a ideia romântica do "lado escuro", reforçada por canções, filmes e ficção científica. Mas ambos os lados recebem luz do Sol, alternando entre dia e noite a cada 29,5 dias terrestres.

Como o lado afastado é diferente do lado visível?
Ao observar fotos dos dois hemisférios lunares, as diferenças saltam aos olhos. O lado que enfrenta a Terra exibe grandes manchas escuras, chamadas mares lunares, vastos campos de basalto criados por antigas erupções vulcânicas. Já o lado afastado é dominado por um emaranhado de crateras, vales e montanhas. Praticamente não há mares ali.
Essas características geológicas refletem não apenas impactos antigos, mas também importantes diferenças internas. O lado visível, rico em mares, evidencia uma história vulcânica intensa; o afastado, pelo contrário, manteve-se relativamente estável, registrando pouco ou nenhum derramamento de magma após sua formação inicial.
O lado afastado da Lua parece mais antigo e áspero.
Até pouco tempo atrás, essas distinções eram observadas apenas na superfície. Mas, agora, sabe-se que o lado afastado também é mais frio por dentro, um dado que pode mudar o entendimento sobre a origem lunar.
O que a missão Chang’e-6 revelou sobre o lado afastado?
Em junho de 2024, a missão chinesa Chang'e-6 realizou um feito inédito: trouxe para a Terra amostras diretamente do lado afastado da Lua, especificamente da cratera Apollo, localizada na enorme bacia Polo Sul-Aitken. Foram 1.935,3 gramas de solo, dos quais cerca de 300 gramas passaram por análises detalhadas nos laboratórios do Instituto de Geologia de Urânio de Pequim.
Esses estudos lançaram nova luz sobre as diferenças térmicas entre os dois lados. Encontrou-se que algumas rochas do manto lunar, presentes nas amostras coletadas pela Chang'e-6, solidificaram-se em temperaturas cerca de 100 °C mais baixas do que aquelas do lado próximo, investigadas pelas missões Apollo.

O professor Yang Li, um dos principais nomes do projeto, afirmou em entrevista: "Esta diferença misteriosa entre os lados da Lua permanece um dos grandes enigmas lunares. Agora temos, pela primeira vez, evidências com amostras reais."
A equipe de pesquisa chinesa
O estudo foi coordenado por cientistas de três instituições:
- Instituto de Geologia de Urânio de Pequim
- Escola de Ciências da Terra e do Espaço da Universidade de Pequim
- Escola de Ciência e Tecnologia Espacial da Universidade de Shandong
Como a diferença de temperatura foi medida?
A análise das amostras do lado afastado usou várias técnicas avançadas, combinando métodos tradicionais com tecnologia de ponta. Foram empregadas:
- Mapeamento químico por sonda eletrônica para determinar a composição mineral em detalhes.
- Análise de isótopos de chumbo, originados da decomposição do urânio natural, utilizando espectrometria de massa de íons secundários SIMS, crucial para estimar a idade das rochas.
- Comparações das temperaturas de cristalização dos minerais presentes, com base em dados de satélite e experimentos de laboratório.
O manto do lado afastado solidificou-se a aproximadamente 1.100 °C.
Esse valor é aproximadamente 100°C mais frio que o registrado em amostras do lado visível, estudadas décadas antes por programas variados. Além disso, imagens de satélite permitiram verificar que a superfície do lado afastado mantém-se em média 70°C mais fria. São diferenças marcantes, que sugerem processos internos distintos.
O que está por trás dessa diferença de temperatura?
Rochas lunares guardam pistas sobre o interior do satélite. O conceito central aqui é: certos elementos radioativos, como urânio, tório e potássio, durante sua decadência natural, liberam calor. Na Terra, esse efeito é um dos responsáveis por manter o núcleo parcialmente derretido.
Na Lua, descobriu-se que esses elementos estão concentrados principalmente no lado próximo, onde estão associados a minerais conhecidos como terras raras e fósforo, formando materiais chamados de KREEP (sigla para Potássio (K), Terras Raras (REE), Fósforo (P)). O lado afastado, por sua vez, possui quantidades muito inferiores desses componentes.

Essa diferença explica, de forma direta, a menor temperatura do manto no lado afastado. Como lá há menos urânio, tório e potássio, existe menos calor sendo gerado de dentro para fora.
O estudante Xuelin Zhu, outro membro do grupo, comentou:
As profundas diferenças internas da Lua reforçam que sua “dupla face” não é apenas superficial.
No lado próximo, com mais KREEP, o magma se liquefez mais facilmente, alimentando erupções que deram origem aos mares de basalto. Já o outro hemisfério permaneceu mais frio e estável, moldando as paisagens montanhosas e crateradas vistas hoje.
Como o KREEP influencia o aquecimento interno lunar?
KREEP é uma mistura rara de minerais formados por potássio, terras raras e fósforo, agregados durante os estágios finais do resfriamento da Lua. Esse material não aparece de maneira uniforme no satélite.
O acúmulo de KREEP em apenas um dos lados da Lua representa uma pista sobre sua evolução interna e térmica. Quando a Lua era jovem, os elementos radioativos ajudaram a manter a parte interna quente, impulsionando atividades vulcânicas, mas apenas onde esses minerais eram abundantes.
- No lado próximo, altas concentrações de KREEP favoreceram o vulcanismo e o surgimento dos mares lunares.
- No lado afastado, a escassez desse material limitou a atividade térmica, tornando-o mais frio e geologicamente mais estável.
A teoria mais aceita sugere que esse desequilíbrio foi causado tanto por impactos colossais (como o da formação da bacia Polo Sul-Aitken) quanto pela influência gravitacional da Terra durante os estágios iniciais da história da Lua.
O que isso revela sobre o interior da Lua?
As diferenças térmicas e composicionais indicam que a história da Lua é de dualidade: um lado mais agitado, quente e vulcânico, outro mais antigo, frio e marcado por impactos.
Essa dualidade explica não apenas a superfície inóspita do lado afastado, mas também questões mais profundas, como a formação do núcleo e a evolução térmica do satélite. O entendimento desses detalhes só foi possível pelo avanço das missões espaciais, destacando-se a recente contribuição da Chang'e-6.
As duas faces da Lua: além da superfície
- Lado próximo: mais quente, rico em KREEP, intenso vulcanismo, grandes mares de basalto.
- Lado afastado: mais frio, menos elementos radioativos, escassa atividade vulcânica, superfície montanhosa e craterada.
Essas distinções não são apenas curiosidades. Elas influenciam o modo como futuros recursos lunares podem ser encontrados e utilizados, e oferecem pistas valiosas para entender a formação de corpos planetários em geral.
Como se formou essa diferença? A hipótese do impacto de Theia
A principal explicação para a existência dessas duas "Luas" está na teoria do impacto gigante. Segundo esse modelo, a Lua teria se originado a partir de uma colisão entre a Terra primitiva e um corpo do tamanho de Marte, chamado Theia.
Um choque colossal pode ter dobrado a história da Lua ao meio.
Durante o impacto, uma parte significativa do material aquecido e fundido foi arremessada ao espaço, aglutinando-se para formar o satélite. Conforme o tempo passava, esse material foi se organizando, separando-se em camadas. Os elementos mais leves e radioativos, como KREEP, teriam migrado e se concentrado do lado que hoje corresponde ao hemisfério visível.

A influência gravitacional da Terra, aliada aos efeitos dos impactos gigantes, pode explicar por que a tendência foi de concentração desses elementos no lado próximo. Isso teria levado ao aquecimento desigual do manto lunar e, consequentemente, à criação das duas faces tão distintas.
O papel das crateras e do terreno montanhoso do lado afastado
O lado afastado distingue-se ainda por sua extrema rugosidade e número de crateras. Acredita-se que parte desse terreno tão acidentado seja resultado de sua localização na enorme bacia Polo Sul-Aitken, uma das maiores estruturas de impacto do Sistema Solar.
Curiosamente, estudos em astronomia apontam que a fina crosta neste hemisfério impediu a ascensão eficaz de magma, bloqueando a formação de mares. Isso reforçou a preservação de paisagens formadas há bilhões de anos. O resultado é um mosaico de crateras sobrepostas, muitas delas tão antigas quanto a própria Lua.
Os impactos e a influência gravitacional da Terra
Além do impacto de Theia, outros grandes eventos moldaram o satélite:
- Bacia Polo Sul-Aitken: Esta colossal depressão resultou de um impacto tão energético que, talvez, expôs até parte do manto lunar, trazendo à superfície rochas formadas em altas pressões e temperaturas moderadas.
- Influência da Terra: Durante o resfriamento, a proximidade com o nosso planeta pode ter alterado fluxos de calor e a distribuição de determinados elementos químicos.
O passado violento da Lua está esculpido em sua face oculta.

Como a análise das amostras lunares revela a idade e a temperatura do manto?
A idade das amostras coletadas pela Chang’e-6 foi estimada em cerca de 2,8 bilhões de anos. Esse dado veio da análise dos isótopos de chumbo, produto da degradação do urânio presente nos minerais. Combinando essas medições com experimentos de cristalização em laboratório, foi possível calcular a temperatura de formação desses minerais no manto lunar.
A partir daí, estabeleceu-se o diferencial térmico: 1.100°C no lado afastado, em oposição aos 1.200°C do lado próximo. A confirmação por imagem de satélite (diferença média de superfície de 70 °C) oferece um retrato consistente dessa disparidade.
A Lua não é uma bola homogênea de rocha: sua composição varia muito.
Para quem acompanha notícias sobre planetas e seus satélites, entender essa variedade interna ajuda a aprimorar modelos sobre a evolução dos corpos celestes e seus potenciais para abrigar recursos minerais ou até estruturas de bases futuras.
Quais métodos permitiram esses avanços?
As conquistas dessa pesquisa baseiam-se em avanços nas técnicas de laboratório e telemetria espacial. Entre os métodos usados, destacam-se:
- Sonda eletrônica de varredura: permite mapear a composição e a estrutura dos minerais em escalas micrométricas.
- Espectrometria SIMS: técnica usada para datar minerais a partir da análise dos isótopos de chumbo, rastreando a decomposição do urânio ao longo das eras.
- Análise comparativa via satélite: determina a temperatura da superfície lunar por meio de sensores térmicos, sem necessidade de contato direto.

O conjunto dessas ferramentas proporcionou aos pesquisadores um novo olhar, permitindo comparar diretamente, pela primeira vez, as condições de formação de ambos os lados lunares.
O futuro das pesquisas lunares e a participação de astronautas e taikonautas
Apesar dos avanços recentes, ainda restam dúvidas sobre o passado da Lua. Para superá-las, serão necessárias missões mais ousadas, que envolvam não apenas robôs, mas também a atuação direta de astronautas e taikonautas em diferentes regiões do satélite. O envio de humanos ao Polo Sul da Lua, por exemplo, pode acelerar a coleta de amostras profundas e melhorar o entendimento sobre as transições entre as camadas internas.
O achado do diferencial térmico é apenas um passo. Novas amostras, mais profundas e coletadas em pontos diversificados, ajudarão a esclarecer se as diferenças detectadas até o momento são uniformes em todo o lado afastado ou se variam conforme a posição.
A colaboração entre países, agências espaciais e centros de pesquisa ganhou novo impulso com missões como a Chang'e-6, e tende a crescer ainda mais. O debate sobre a exploração espacial mostra-se cada vez mais aberto e internacional.
Resumindo: a Lua tem mesmo "duas caras"
A história recente mostrou que as diferenças entre os hemisférios lunar vão muito além das primeiras impressões. Superfície e interior são radicalmente distintos: temperaturas, distribuição de elementos radioativos, história geológica e formação dos mares de basalto. A chegada de amostras inéditas, trazidas pela Chang'e-6, permitiu, finalmente, medir de forma direta as variações de temperatura entre os lados, e elas são consistentes e profundas.
A Lua não é igual dos dois lados, ela é "dupla" desde o núcleo até a superfície.
O projeto spacetoday.com.br acompanha de perto as novidades sobre o nosso satélite, reconhecendo que cada missão levanta novas perguntas e desafia o que parecia consenso.
Questões ainda estão em aberto: qual é o padrão de distribuição dos elementos nas maiores profundezas? Futuras visitas humanas trarão respostas definitivas? E, finalmente, como essas particularidades podem influenciar planos de colonização e mineração lunar? Quem deseja se manter informado sobre astronomia e missões espaciais deve continuar atento às próximas décadas, a Lua, como sempre, promete surpreender.
Conclusão
O lado afastado da Lua, antes coberto pelo véu do desconhecido, revela-se agora como um “hemisfério gelado”, não apenas na superfície, mas também em seu interior, refletindo uma história distinta da do lado visível. Esse resultado é fruto de pesquisas modernas, da ousadia técnica da Chang’e-6 e do trabalho conjunto de especialistas. Urânio, tório, potássio e mares de basalto ajudaram a desenhar o perfil desse satélite tão familiar e, ao mesmo tempo, surpreendentemente estranho.
Para quem acompanha o spacetoday.com.br, entender as novas descobertas a respeito da Lua é fundamental para perceber as dinâmicas que movem o universo e estruturar novas perguntas. Se você ficou curioso ou quer aprofundar seu conhecimento sobre astronomia, continue acompanhando o projeto, visite outras áreas do site e mantenha-se sempre perto das novidades. O céu reserva curiosidades incríveis, e a Lua ainda vai surpreender a todos.
Perguntas frequentes
Por que o lado afastado da Lua é mais frio?
O lado afastado é mais frio porque possui menores concentrações de elementos radioativos (urânio, tório, potássio) no manto lunar, substâncias que liberam calor ao se decompor. Como há menos calor sendo gerado internamente, a crosta e o interior desse hemisfério ficaram mais frios em comparação ao lado próximo. Essa diferença de composição explicaria não só a temperatura, mas também o porquê de haver menos atividade vulcânica e mares de basalto.
O que a missão Chang'e-6 descobriu no Polo Sul lunar?
A Chang'e-6 coletou as primeiras amostras do lado afastado da Lua, na cratera Apollo, dentro da bacia Polo Sul-Aitken, revelando que as rochas do manto desse lado se formaram em temperaturas cerca de 100 °C mais baixas do que as do lado próximo. Isso confirma uma profunda diferença interna entre os hemisférios lunares, antes apenas sugerida por modelos teóricos. As análises mostraram também menor presença de elementos radioativos e forneceram dados inéditos sobre as idades dos materiais coletados.
Qual a diferença de temperatura entre os lados da Lua?
As amostras profundas indicam um diferencial de aproximadamente 100 °C entre os mantos dos dois lados: 1.100 °C para o afastado e 1.200 °C para o próximo. Imagens de satélite mostram outra diferença, mais superficial, de cerca de 70 °C. São disparidades notáveis e que refletem a distinta história de cada hemisfério.
Como é medida a temperatura na superfície lunar?
A temperatura é medida, principalmente, por sensores térmicos a bordo de satélites e sondas, que detectam o calor infravermelho emitido pelo solo lunar. Em laboratório, pode-se também estimar a temperatura original de formação das rochas por técnicas de análise mineralógica e química, baseando-se em como certos minerais cristalizam em diferentes faixas de calor.
Por que o Polo Sul da Lua é tão importante para pesquisas?
O Polo Sul da Lua atrai pesquisadores por ser uma das regiões mais antigas, preservadas e impactadas do satélite, além de abrigar reservatórios de gelo em crateras permanentemente sombreadas. Ele oferece pistas sobre a origem da Lua, as condições de seu interior e potencial para futuras missões humanas, fontes de água nesse local, por exemplo, são fundamentais para permanências mais longas e atividades de mineração e ciência.